23 de janeiro de 2014

Minha 'DomTena'

Vó Tena
                . 

Hoje cheia de lembranças que agora são saudades, daquela velha senhora que na percepção nunca envelheceu ou foi mais nova, era sempre a mesma: Vó! E o tempo passou, ensinou o que devia, cobrou e trouxe até o que não merecíamos. Assim mesmo, sem nos sacudir ou gritar por atenção, passou quase que imperceptível. Entre estórias, frases repetidas, bordões, bênçãos, chás e orações, ficou algo ainda na memória, um pouquinho do que marcou pra cada um, como os ‘Sam Pai’ quase sussurrados na hora da saída, ou as mãos fortes que espremiam o lenço enquanto os olhos ainda estavam cerrados, na proteção constante que obrigava um agasalho, vinho, azul e branco. Na voz risonha que dizia a seu modo ‘foge da frente menina’, ou na humildade na qual se pedia a leitura de algo que já tinha de cor.

Ficou ainda na lembrança os melhores sabores de infância, doce de banana, goiaba e laranja, o bolo de abobora, de macarrão, biscoito de polvilho e pastel de angu, água de pote e mão lavada, suco de acerola, água de romã, quiabo, cará da terra... familia reunida... o gosto amargo do chá de bardana que ainda faz parte do cardápio, ficaram detalhes dos dedos frágeis mergulhados em álcool com arnica, do cabelo dividido ao meio, grampos expostos, unhas pontudas, o botão colorido, fuxico, a peça de quebra-cabeça, o cheiro doce, o modo de caminhar, a perseverança, horas marcadas com risquinhos e a voz firme que ensinava e repreendia. Na mente ainda fresca ficou a frase “lê aquele texto pra ela Nana”,

Em nós ficou a base do que somos hoje, entre um jeito e outro, ficaram manias todas dela, os papeis guardados, fotos espalhadas, retalhos contando histórias, curas vindas de ervas, crenças, medos e esperanças. Uma lembrança solta em cada canto. Uma vida em recordações.    

E no final, ela ainda me podia ouvir a chamar de ‘DomTena’, mas a um tempo já não a ouvia dizer "Nana", egoísmo da nossa parte ainda a querer aqui? A comunicação é uma via de mão dupla. Mas quem disse que ela não se comunicava? Sim, expressava com os olhos que quase obrigava as visitas a sentarem, com a lágrima que escorria de emoção ao ouvir uma música, com as gargalhadas que aprovavam as besteiras que lhe eram ditas. E o choro que deixavam claro que já não era mais a mesma.

Mas, o que é a morte? Pra ela foi um descanso necessário, estava morrendo aos pouquinhos e isso sim doía muito. Ela tinha ciência do que acontecia a sua volta, estava consciente de que dali pra frente ou vinha logo o novo mundo, ou ela o esperaria dormindo na morte, assim como aquele a quem amou e devidiu uma vida. E foi como aconteceu. Agora ela está na lembrança de cada um que amou, em especial na de Jeová, que assim como nos, já tem saudades dela (Jó 14). Que de agora pra frente possamos também fazer um bom nome como o Seu e manter viva em nós a mesma esperança de estarmos outra vez juntos.


Saudosa de cada memória viva nessas palavras escritas, finalizo aqui, ainda cheia de lembranças e detalhes dela, que faz de mim rica dessa que tanto amei.


Vó Tena

17 de janeiro de 2014

Fantasia

Imagem Ronaldo Mendes
  




Está no meu pensamento
Em cada palavra dita e oculta.
Nas lembranças, cativo a memória
Nos sonhos, nos desejos.

Está gravado na pele
Na vontade do toque, no arrepio do pelo
Preso no sussurro que entala na garganta
Na voz que suplica

Está a frente dos olhos
Estampado no sorriso que ilumina a face
Gravado no símbolo que adorna as mãos
Na sutileza que delineia os gestos

Está por todos os lados
Usurpando verdades eternizadas
Preenchendo os cantos em retratos solitários
Alimentando vaidades

Em cada assunto, ao som de murmúrios
No acento vazio, que acentua a ausência
Na fila de espera, no cansaço das pernas
No abraço singelo, na falta do toque.

Está em cada entrega, em toda recusa, relembrando fatos
Recriando teorias, ironizando sorrisos
Arrancando lágrimas, encerrando possibilidades
Está em mim. Em cada inicio que finalizo.


Imagem Ronaldo Mendes